Cantadas Literárias

Blog destinado à discussão da literatura em língua portuguesa.

Monday, January 29, 2007



JOÃO GILBERTO NOLL & A LITERATURA DE INVENÇÃO

"Sou um escritor de linguagem, pelo método com o qual escrevo fica claro isso. Tento captar a realidade através do que a linguagem me indica. Nesse sentido, sou o oposto de Berkeley. Realmente, o que vai puxar-me arrastar-me movimentar em direção à ação do livro não é uma idéia de conteúdo prévio, mas é aquilo que a linguagem vai abrindo para mim. Como se realmente a linguagem fosse um exercício desejante de ação. Ação não no sentido norte-americano, evidentemente, de cinemão, mas no sentido de que o personagem começa de um jeito e vai terminar de outro. Acredito nisso, acredito na possibilidade de um argumento, sim, na história humana. Isso não quer dizer que tenha uma linha progressiva, uma finalidade angelical, nada disso, mas existe a possibilidade de você conhecer profundamente o seu próprio movimento. O homem não é um bicho estagnado. E só existe ficção por isso e não para usar a ação como uma peripécia atordoante que valha por si mesma. Mas o que vai me levar a essa ação, a essa verdade humana que é o momento, é a linguagem. Ela é o abre-te sésamo deste novo mundo."

Este é um dos parágrafos de abertura do site de João Gilberto Noll (www.joaogilbertonoll.com.br ). Interessante comparar o escrito por este fantástico autor gaúcho com o texto de Guimarães Rosa que pode ser lido no post abaixo.

Noll trabalha a linguagem em um plano diferente daquele escolhido por Rosa. Menos visível, mais subreptícia, mas nem por isso menos inquietante. Inquietação que já estava presente desde sua estréia em 1980 com O cego e a dançarina. Inquietação que é transmitida, por meio da linguagem, ao leitor. Inquietação que nos é quase imposta por uma literatura de invenção, conduzida pela palavra e não pela ação, e que se recusa terminantemente à "vida fácil" dos enredos esquemáticos usuais (para usar as palavras do próprio autor).

Fica bem claro o motivo dos personagens de Noll estarem sempre em movimento, de serem "nômades" até em suas próprias casas. É o domínio da linguagem sobre o real que os leva a esse contínuo estado de transmutação. Ao final de cada livro, os personagens já não são os mesmos do início. Algo, ainda que minimo, se transformou dentro deles. Como acontece na própria vida, com todos nós, prisioneiros do Tempo.

Confesso que nunca deixei de me sentir tocado pelos textos desse autor. Mesmo por aqueles de que gosto menos, como Berkeley em Bellagio (Ed. Objetiva, 2003). E acredito que este "tocar" a alma e a mente de um leitor, para o bem ou para o mal, seja o objetivo de todo grande escritor. Como é o caso de João Gilberto Noll.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home