Cantadas Literárias

Blog destinado à discussão da literatura em língua portuguesa.

Friday, February 23, 2007


NOVAS VOZES POÉTICAS

VELU

Lúcido pergaminho, pele argêntea, de prata(bolsa d'água, placenta), nas raízes aéreas. A cera e a polidez da pétala encoberta: brácteas que se abrem (túnica) e desabrocham: filandras e nervuras na placidez selvagem - flore acontecimento que se desdobra em flor.(Velâmens, em camadas, evoluem no ar.)
A gravidez sem peso dos pecíolos no limbo.

Poeta das mais interessantes, Josely Vianna Baptista é dessas vozes que chamam a atenção desde o início. Dela, por dever de ofício, li Ar e Corpografia, livros lançados no início dos anos 90. De lá para cá, tenho lido poemas esparsos, catados aqui e acolá, mas que demonstram uma evolução constante em sua obra. Um "adensamento" da palavra e da linguagem, que se torna mais carregada de significantes. Nessa série que começamos agora, é uma poeta para ser levada em consideração.

Monday, February 05, 2007



HILDA HILST, A TRANSGRESSÃO DO VERBO

"Se tivesse madeira e ilusões / Faria um barco e pensaria o arco-íris, /Se te pensasse, amigo, a Terra toda / Seria de saliva e de chegança. / Te moldaria numa carne de antes / Sem nome ou Paraíso. // Se me pensasses, Vida, que matéria / Que cores para minha possível sobrevida?"

Ontem (4/2/2007) fez dois anos a morte de Hilda Hilst, uma de nossas maiores poetas, autora dos versos acima. Em uma das crônicas que passou a escrever no final da vida, Hilda comparou o poeta ao ornitorrinco, animal nem réptil nem mamífero, que vive na fronteira entre o "Ser e o Não-Ser", para usar uma expressão bem típica dessa mulher de versos sempre instigantes.

Assim foi a vida de Hilda, sempre na fronteira entre o sacro e o profano, entre o clássico e o revolucionário. Mais do que as supostas transgressões sugeridas por seu modo de vida, leia-se Casa do Sol cercada de cães, conversas com os mortos ou textos erótico-pornográficos, sua verdadeira transgressão foi por meio de seus versos - a "transgressão do verbo", a re-criação da palavra, como poucos poetas conseguiram em nossa língua. Essa a sua possível e conseguida sobrevida. Por meio de uma monumental obra poética que ainda necessita uma grande e acurada exegese.

Friday, February 02, 2007

BLOG DA SEMANA

O blog ou site da semana é o da Revista Zunai, especializada em discussão sobre poesia. Comandada por Claudio Daniel e Rodrigo Souza Leão, tem entrevistas, ensaios e, logicamente, poemas. O endereço é http://www.revistazunai.com.br . Vale a pena conferir.

Monday, January 29, 2007



JOÃO GILBERTO NOLL & A LITERATURA DE INVENÇÃO

"Sou um escritor de linguagem, pelo método com o qual escrevo fica claro isso. Tento captar a realidade através do que a linguagem me indica. Nesse sentido, sou o oposto de Berkeley. Realmente, o que vai puxar-me arrastar-me movimentar em direção à ação do livro não é uma idéia de conteúdo prévio, mas é aquilo que a linguagem vai abrindo para mim. Como se realmente a linguagem fosse um exercício desejante de ação. Ação não no sentido norte-americano, evidentemente, de cinemão, mas no sentido de que o personagem começa de um jeito e vai terminar de outro. Acredito nisso, acredito na possibilidade de um argumento, sim, na história humana. Isso não quer dizer que tenha uma linha progressiva, uma finalidade angelical, nada disso, mas existe a possibilidade de você conhecer profundamente o seu próprio movimento. O homem não é um bicho estagnado. E só existe ficção por isso e não para usar a ação como uma peripécia atordoante que valha por si mesma. Mas o que vai me levar a essa ação, a essa verdade humana que é o momento, é a linguagem. Ela é o abre-te sésamo deste novo mundo."

Este é um dos parágrafos de abertura do site de João Gilberto Noll (www.joaogilbertonoll.com.br ). Interessante comparar o escrito por este fantástico autor gaúcho com o texto de Guimarães Rosa que pode ser lido no post abaixo.

Noll trabalha a linguagem em um plano diferente daquele escolhido por Rosa. Menos visível, mais subreptícia, mas nem por isso menos inquietante. Inquietação que já estava presente desde sua estréia em 1980 com O cego e a dançarina. Inquietação que é transmitida, por meio da linguagem, ao leitor. Inquietação que nos é quase imposta por uma literatura de invenção, conduzida pela palavra e não pela ação, e que se recusa terminantemente à "vida fácil" dos enredos esquemáticos usuais (para usar as palavras do próprio autor).

Fica bem claro o motivo dos personagens de Noll estarem sempre em movimento, de serem "nômades" até em suas próprias casas. É o domínio da linguagem sobre o real que os leva a esse contínuo estado de transmutação. Ao final de cada livro, os personagens já não são os mesmos do início. Algo, ainda que minimo, se transformou dentro deles. Como acontece na própria vida, com todos nós, prisioneiros do Tempo.

Confesso que nunca deixei de me sentir tocado pelos textos desse autor. Mesmo por aqueles de que gosto menos, como Berkeley em Bellagio (Ed. Objetiva, 2003). E acredito que este "tocar" a alma e a mente de um leitor, para o bem ou para o mal, seja o objetivo de todo grande escritor. Como é o caso de João Gilberto Noll.

Friday, January 26, 2007


COM A PALAVRA, GUIMARÃES ROSA

"Mas, o mais importante, sempre, é fugirmos das formas estáticas, cediças, inertes, estereotipadas, lugares-comuns, etc. Meus livros são feitos, ou querem ser pelo menos, à base de uma dinâmica ousada, que, se não for atendida, o resultado será pobre e ineficaz. Não procuro uma linguagem transparente. Ao contrário, o leitor tem de ser chocado, despertado de sua inércia mental, da preguiça e dos hábitos. Tem de tomar consciência viva do escrito, a todo momento. Tem quase de aprender novas maneiras de sentir e de pensar. Não o disciplinado — mas a força elementar, selvagem. Não a clareza — mas a poesia, a obscuridade do mistério, que é o mundo. E é nos detalhes, aparentemente sem importância, que estes efeitos se obtêm. A maneira-de-dizer tem de funcionar, a mais, por si. O ritmo, a rima, as aliterações ou assonâncias, a música 'subjacente' ao sentido — valem para maior expressividade. (...)"
(Carta a Harriet de Onís, de 4 de novembro de 1964).
Essa, caros e parcos leitores, é para pensar no fim de semana. Consciência do próprio lavoro, para dizer o mínimo. Voltaremos a Rosa, em outros posts.


MARIO CHAMIE, SIMPLESMENTE POETA

"Nessa paz de guerra fria / entre a palavra e a vida, /só o poeta sofista /faz da palavra sofisma / o elo e a ponte /a fonte e a mina /da verdade e da mentira /num horizonte de esgrimas." Estes versos, de uma limpidez e clareza exuberantes pertencem ao mais recente trabalho de Mario Chamie, "Horizonte de esgrimas" (Funpec Editora, 2002). Ou seja: estamos há quatro anos sem livro novo desse grande mestre de nossa poesia.
Acredito que rótulos acabam por diminuir a estatura de um poeta. Desde "Lavra, Lavra" (1962) e da Instauração Práxis, que o nome de Chamie tem sido ligado às vanguardas poéticas brasileiras, e, como todo vanguardista, criticado por uns, louvado por outros. Nesse aspecto, esquecem os contendores de lado a lado, a única verdade possível: Chamie é simplesmente um poeta, dos maiores em língua portuguesa. Sua poesia é altamente elaborada e refinada, inovadora. E coerente. Sua obra tem sido construída ao longo dos anos como uma enorme catedral, tijolo por tijolo, formando um "desenho mágico e lógico", parafraseando o Chico de "Construção" .
O que não consigo entender, é o relativo esquecimento a que Chamie é relegado sempre que se fala em poesia brasileira atual. Inúmeros autores menores são citados, recebem espaço na mídia, enquanto o poeta de Cajobi é relegado a um proposital escanteio. Essa é uma atitude criminosa, para dizer o menos, com nossa literatura tão repleta de epígonos das mais diversas correntes, sempre louvados, enquanto aos verdadeiros criadores se reserva o exílio.
Vivendo há muito tempo fora do Brasil, acredito que isso só ocorra por conta da tal "política literária" vigente em nosso país. Listas e mais listas de nossos grandes poetas são feitas e o nome de Chamie não aparece. Esquecem que a diversidade e o pluralismo, a dicção pessoal e intransferível, a inovação, em poesia, são fundamentais.
Para ilustrar o que foi dito acima, nada melhor que um poema do próprio Chamie, extraído do livro Caravana Contrária (1998):

O TOLO E O SÁBIO

O sábio que há em você
não sabe o que sabe
o tolo que não se vê.

Sabe que não se vê
o tolo que não sabe
o que há de sábio em você.

Mas do tolo que há em você
não sabe o sábio que você vê.

Wednesday, January 24, 2007

POESIA E AÇÃO
"Llamemos «poesía», permítasenos, todas las formas de arte verbal, incluidas la del pregonero paraquien unas pocas monedas significan la vida, y la del manipulador retórico que siembra iconosmercadeables en el deseo de la masa cautiva para sacar ganancias máximas.Poesía sería la capacidad de hacer de una determinada realidad algo notable mediante el sentido, quees concepto, afecto e imagen o percepción. Esta acción se realiza por medio del lenguaje verbal. Lapoesía es la producción de sentido en el lenguaje.Todo florecimiento del lenguaje se corresponde con un florecimiento de la poesía... y con unflorecimiento de la realidad. La poesía de un lenguaje es lo que hace de una realidad (realidad de eselenguaje) una obra de arte.El nombre transmuta el objeto, y posibilita una nueva acción, es decir, una transformación. Poetizadala cosa, la creación envuelve la acción, bajo un concepto renovado, un afecto despertado, una percepciónrevivida, es decir, «sentido nuevo».El poeta: narrador, ensayista, dramaturgo, pregonero o publicista, es un hombre de acción, porque ellenguaje es una de las condiciones de posibilidad de toda acción. «Indigente» o «nómada», «buhonería»o «economía informal», «anciano» o «adulto mayor», «delincuente» o «resistente social», «patriota» o«terrorista» determinan un estatus dentro de lo real, y condicionan una acción posible."


Este texto, publicado no mais recente número da Revista Casa De Las Américas (CAPA ACIMA), de Cuba, é de autoria deJuan Antonio Arreaza. Segundo o autor, trata-se de uma homenagem a Rimbaud. E trata-se de um monumental equívoco, a meu ver.Não concordo plenamente com os três primeiros parágrafos do texto, embora neles haja uma visão clássica da poesia (mesclada com uma sutil visão utilitarista e pretensamente "revolucionária" do texto poético). Discordo totalmente, por isso, de seus pressupostos posteriores.Poesia não envolve ação, não tem como conseqüência o agir. O poeta não é ator e sim espectador. Sua trans-formação da realidade se dá apenas em nível verbal, de linguagem. Isso não implica necessariamente em transformação da realidade, tout court.O poeta, como Rimbaud durante a Comuna de Paris, pode se ver tentado a capturar as transformações do real, porém, sua verdadeira ação se dá ao transfigurar o sentido e a linguagem. Só assim sua arte será verdadeiramente revolucionária, como desejava Maiakovsky.No mais das vezes, essa transfiguração se dá de forma mínima, quase imperceptível ao leitor comum, no interior dos versos, na explosão de imagens e relações insuspeitadas - que só o poeta consegue flagrar. Em língua portuguesa temos o Pessoa, o Gullar de "A Luta Corporal" (um verdadeiro embate com a linguagem).Tentar dar um caráter utilitário à poesia ou ao poema é flertar diretamente com o fracasso.

Monday, January 22, 2007

SITES & BLOGS

A cada semana vamos indicar um site ou um blog que achamos valer a pena navegar por. O de hoje é o Digestivo Cultural. O endereço é www.digestivocultural.com que, apesar do nome de remédio, é bem bacana. Não se restringe só a literatura. Tem música, artes plásticas etc. etc. Visite.